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Diferenças entre eutanásia, suicídio assistido e ortotanásia: olhar jurídico e ético

No debate sobre o fim da vida, surgem discussões complexas que envolvem eutanásia, suicídio assistido e ortotanásia. Esses conceitos, embora comumente confundidos, apresentam diferenças fundamentais e são regulados de forma distinta em diversas legislações ao redor do mundo. Cada uma dessas práticas reflete abordagens únicas sobre a dignidade, a autonomia e o sofrimento humano, temas que, em países como o Brasil, ainda enfrentam barreiras legais e sociais.

A eutanásia consiste em uma intervenção ativa de terceiros com o objetivo de encerrar a vida de um paciente que, geralmente, está acometido por uma doença incurável ou que causa grande sofrimento. Essa prática é legal em países como Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Canadá, onde a legislação tem avançado para respeitar a autonomia do paciente e garantir a dignidade no fim da vida. No entanto, é essencial que o ato seja realizado de maneira altruísta e ética, sem interesses próprios de quem assiste o paciente, sob pena de responsabilidade criminal.

O suicídio assistido, por outro lado, ocorre quando o paciente toma a iniciativa de finalizar sua própria vida com o suporte de um profissional médico, que fornece os meios necessários, como o medicamento adequado. Neste caso, o paciente é quem pratica o ato, o que diferencia o suicídio assistido da eutanásia. Países como a Suíça, com tradição na prática do suicídio assistido, possuem uma legislação mais liberal, permitindo que o próprio indivíduo, em plena capacidade mental, decida sobre o próprio destino. Na Suíça, aproximadamente 1,5% das mortes anuais ocorrem por meio de suicídio assistido, envolvendo tanto cidadãos locais quanto estrangeiros em busca de dignidade no fim de suas vidas.

Na Suíça, o paciente interessado no suicídio assistido deve atender a critérios rigorosos, como ser mentalmente capaz e ter total discernimento sobre sua decisão. Geralmente, o processo envolve uma avaliação por dois médicos independentes, além de um relatório de saúde fornecido pelo médico do paciente, comprovando uma condição clínica insuportável ou intratável. A legislação suíça não especifica uma lista de doenças para o suicídio assistido, mas as principais condições incluem doenças terminais, deficiências incapacitantes e dores crônicas sem tratamento eficaz.

Como essas práticas funcionam no Brasil
No Brasil, a eutanásia e o suicídio assistido são práticas criminalizadas. O Código Penal prevê penas para homicídio (artigo 121) e para o auxílio, induzimento ou instigação ao suicídio (artigo 122). No caso da eutanásia, embora o ato seja considerado homicídio, a pena pode ser atenuada em situações de compaixão ou “relevante valor moral”. Isso ocorre, por exemplo, quando uma pessoa age por piedade ao ver um ente querido em sofrimento extremo, o que pode reduzir a pena em até um terço. No entanto, mesmo com atenuantes, a prática permanece ilegal.

A criminalização dessas práticas no Brasil reflete não apenas as leis, mas também a influência de valores morais e religiosos. Esse cenário diferencia o país de outros com uma abordagem mais permissiva em relação ao fim da vida. Embora o tema já tenha sido discutido no passado, não há, atualmente, projetos avançados no Congresso Nacional que sinalizem uma alteração significativa nesse entendimento.

A ortotanásia, por sua vez, é uma prática permitida no Brasil e envolve a suspensão de tratamentos invasivos e desnecessários para pacientes em estágio terminal ou sem prognóstico de recuperação. A Resolução nº 1.805/2006, do Conselho Federal de Medicina, autoriza os médicos a interromperem terapias inócuas, visando a proporcionar conforto e minimizando o sofrimento do paciente. Esse processo faz parte dos cuidados paliativos e busca garantir ao paciente uma morte digna, sem intervenções que prolonguem artificialmente a vida, em situações irreversíveis e de sofrimento.

Ela não se confunde com a eutanásia, uma vez que o objetivo não é provocar a morte, mas evitar o prolongamento desnecessário de um tratamento que não oferecerá efetiva melhora. Nesse contexto, a ortotanásia respeita a dignidade do paciente, além de garantir uma abordagem multidisciplinar que integra cuidados físicos, psicológicos e espirituais.

Debate sobre escolha no fim da vida precisa avançar
O debate sobre o direito de escolha no fim da vida precisa avançar no Brasil, principalmente no que diz respeito ao entendimento social da ortotanásia. Muitos brasileiros ainda não compreendem a diferença entre ortotanásia e eutanásia, levando a equívocos que resultam até mesmo em processos judiciais contra médicos. É crucial que a sociedade desenvolva uma visão mais sensível sobre o tema, buscando diferenciar a busca pelo bem-estar do paciente da obstinação terapêutica, que frequentemente resulta em mais sofrimento.

Para muitos especialistas, somente o paciente em sofrimento extremo deve ter a capacidade de decidir sobre seu próprio destino, de acordo com sua autonomia e autodeterminação. A criação de uma legislação criteriosa e bem estruturada seria essencial para evitar abusos e proteger o direito individual de decidir sobre a própria vida, permitindo que a dignidade prevaleça, até mesmo nos momentos finais.

O diálogo sobre eutanásia, suicídio assistido e ortotanásia é essencial para a sociedade brasileira, que ainda enfrenta barreiras éticas, morais e legais para a implementação de novas abordagens no cuidado ao fim da vida. Em um contexto onde o respeito à autonomia e à dignidade do paciente deve ser uma prioridade, é necessário que a discussão avance e permita que as famílias, os profissionais de saúde e os legisladores compreendam e respeitem as complexidades envolvidas. O aprimoramento da legislação sobre ortotanásia já representa um passo importante, mas a reflexão deve ser contínua, para que, em um futuro próximo, outras práticas igualmente dignas possam ser revisadas e, quem sabe, permitidas no Brasil.
(Fonte: ConJur)