O reconhecimento facial a partir de imagens captadas de usuários do metrô de São Paulo para fins comerciais, sem prévia autorização, demonstra conduta muito reprovável, que pode atingir a moral coletiva, tendo em vista o número incalculável de passageiros que transitam pelas plataformas todos os dias. Com esse entendimento, a 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a empresa ViaQuatro, concessionária da Linha 4 (Amarela) do metrô da capital paulista, a pagar indenização de R$ 500 mil por dano moral coletivo, devido ao uso do sistema de câmeras de segurança para captação, sem consentimento, de imagens dos usuários, com fins comerciais e publicitários. No caso concreto, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) moveu a Ação Civil Pública contra a empresa e apontou que havia detecção facial não consentida em sete estações da Linha Amarela: Luz, República, Paulista, Fradique Coutinho, Faria Lima, Pinheiros e Butantã.
O sistema de câmeras implantado identificava emoção, gênero e faixa etária das pessoas posicionadas em frente a anúncios publicitários. A entidade alegou que o mecanismo não teria finalidade de melhoria do serviço de transporte público. Em 2018, época de implementação da iniciativa, foi concedida liminar que determinou o desligamento das câmeras e proibiu a empresa de captar imagens e sons dos passageiros. Já em 2021, a 37ª Vara Cível de São Paulo condenou a ViaQuatro a pagar indenização de R$ 100 mil. Em recurso, a ré argumentou que o sistema não coletava ou armazenava dados pessoais, pois os indivíduos não eram identificados. Segundo a empresa, a detecção da imagem tinha fins meramente estatísticos, sem tratamento de dados pessoais ou sensíveis.
Acórdão
No TJ-SP, o desembargador Antonio Celso Faria, relator do caso, manteve a sentença por seus próprios fundamentos, “para evitar inútil repetição da matéria”, mas aumentou o valor da indenização. De acordo com ele, a ViaQuatro não refutou os fatos e argumentos afirmados pelo Idec. O magistrado constatou que as imagens captadas eram usadas para fins publicitários e comerciais, pois a empresa buscava detectar as principais características das pessoas que circulavam pelas estações em determinados locais e horários, além de emoções e reações apresentadas aos anúncios veiculados. Ele também observou que os usuários da Linha Amarela não foram comunicados prévia ou posteriormente sobre a captação ou o uso de sua imagem. Isso “afronta, claramente, o direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços, bem como à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais”.
Faria ressaltou que a ré, concessionária de serviço público, precisa “arcar com o risco das atividades econômicas que explora”, especialmente porque envolvem os direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à imagem e à honra dos usuários. Além disso, contratos juntados aos autos indicaram que a tecnologia vinha sendo disponibilizada por uma empresa terceirizada, “com garantias muito frágeis de que não haverá uso indevido”. Na visão do desembargador, os cidadãos transportados pela ViaQuatro “estão sendo invadidos na sua intimidade, com fins lucrativos, ou mesmo outros fins obscuros, sem que isso seja autorizado e sem que haja um controle mínimo sobre a utilização de captação de imagens, bem como não se tenha a menor ideia de quanto isso representa ou representará de lucro para a concessionária”.
(Fonte: Assessoria de imprensa do TJ-SP)